Ele pirou.
Ele pirou. (diria um narrador de maneira
eloquente)
Uma escolha errada na vida. Um sufocamento
pelo orgulho e outro orgulho de não poder voltar atrás. Coisa de homem. Coisa
de honra. Honra é coisa de homem.
Não podia ser dele, não podia.
Com a Eulália, foi só uma vez. Uma meia vez,
porque ela era virgem. Dizia que era.
Depois, a estória de que o Fúlvio tava
pegando ela também. Aliás, no mesmo dia que eu. Assim disseram. Uma vagabunda,
só poderia pensar. Justo ela, tão virgem, tão branquinha, tão
bicho-pra-ir-curtindo-na-pouca-rédea-de-moça-que-era-pra-casar. Tão linda.
Usava um anelzinho no dedo médio – presente de quinze anos. As tardes de
domingo eu passava com ela. Sorvete. Passeio na praça – ela fazia pequenos
buquês com os pendúnculos das flores. Eu amava ela. Na verdade, eu amava. Dizia
que ia casar.
As sextas eram pra gastar com as primas. A
Eulália era pra casar. Eu pensava que tinha que preservar. Coisa de homem.
E aí, a notícia. Ela grávida. Ela veio me
contar na saída do trabalho, ainda com a roupa da escola. Ela esperou tudo de
mim. Ela acho que eu ia acreditar, apoiar, adiantar o plano do casório, sei lá.
Ela nem parecia tão triste ou tão desesperada. Eu, atônito, encostado no muro
de chapisco. Ela falou, falou. Espalmava as mãos. Cabelo preso pra trás. Eu
falei qualquer coisa pra dentro, quase “licença”, peguei a moto, dei partida e
fui embora. Fui embora mesmo, não pra casa, pra república onde morava, nem pra
casa de ninguém, fui embora. Até a próxima cidade e a próxima e a próxima. Passei
a trabalhar numa mecânica, depois numa mercearia, depois num açougue.
A menina nasceu com um probleminha, fiquei
sabendo. Não podia mesmo ser minha. Da Eulália, pouco fiquei sabendo. Foi
mandada embora da casa dos pais, foi parar na casa de uma tia no norte do
Estado, foi trabalhar de doméstica, foi merendeira. Ela queria fazer
contabilidade. Queria trabalhar no banco. Achava chique ser bancária.
Não tinha essas coisas de DNA. Não tinha.
Hoje, a prova da compatibilidade
cromossômica não paga o tempo perdido, não apaga a culpa. Mais de 20 anos se
passaram. Uma estrada que se ilumina apenas pra trás, assim é a experiência,
como dizem.
A menina precisa de cuidados. A Eulália já
se foi. Os avós, ainda que tão frios, não estão mais por aqui. A tia, já era
velha naquela época.
A única coisa que me salva é a inocência que
seu intelecto infantil deixou intacta. Minha eterna criança.
E, hoje, somos só eu, ela, a estrada e o
tempo que ainda nos resta.