quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Para Branca Puntel



Terça eram duas da tarde. Era às terças, duas horas da tarde. Eu chegava de cabelos penteados, ainda um pouco úmidos, ela, sempre limpa e seca, prudentemente tentando disfarçar um longínquo cheiro de cigarro de si e da casa que se fazia lembrar de quando em quando do vento que vinha das samambaias em nossa direção.
Oferecia café, por educação, água, que eu aceitava por estar sempre de garganta seca.
Os joelhos secos, pontiagudos, é verdade, não lhe encostavam nunca a perna, mas a iminência de um leve roçar, pelo menos no desconforto da minha imaginação, fazia com que os pedais nunca fossem tocados da maneira correta. Mas o gosto do ralha, menos pelo ar de reprovação, e mais pelo fato de ela sempre me tocar o ombro quando parava a lição para me chamar a atenção, fazia valer o ciclo de culpa, vergonha e a quase ternura que eu tencionava provocar.
A casa era ampla no ambiente que se fazia representar pela sala e pela copa num bloco único que se dividia apenas pelas memórias muito bem amontoadas nos grupos de coisas que se alocavam aqui e ali. Um aparador para porta-retratos com possíveis sobrinhos, um verão em 72, um fusca laranja, felicidades que destoavam do ar sisudo que muitas vezes ela parecia carregar. Uma cristaleira com taças, xícaras de outras gerações e alguns bibelôs. Uma mesa de jantar com um caminho de renda e ao centro uma cuba de louça branca contrastando com a madeira escura. Vasos de plantas. Sofás. Poltronas. Mas tudo isso apercebido somente no curto momento em que eu, ainda posto à soleira da porta, me deixava a observar enquanto ela buscava o copo d´água, pois, a mim, o único espaço a que eu era confiado e confinado era a beira do piano.

2 comentários:

  1. Memórias sonhadas
    Viventes escaladas, melancolia que sinto num texto que me remete
    Eme mete
    Medo de me esquecer.
    Lindo!
    Você virou mulher num curto espaço de tempo.

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    1. pois te digo que, a mim, me parece que esse processo tá durando tempo demais... quando é que os ditos merecimentos vão vir, esses suaves?
      tudo é como quebrar pedra. nem que a dor do esforço seja boazinha, recompensante ao final do dia.
      mas, hoje, pensei. só os mansos sobrevivem...

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