quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Eu tenho ciúme. Eu tenho sede. Eu tenho saudade.
Eu tenho algo sem nome, algos indizíveis que me fazem arder a pele de dentro pra fora. Fumaça metafórica, sangue que molha as pálpebras. Quando fico assim, não sei se sou, ou não sei se só sou. Quando fico assim, rede nenhuma, varanda nenhuma, nem lampejo reluzente de peixe saltando pra fora da noite escura em Paraty.
Me acalentariam as únicas mãos que poderiam me acalentar? Por debaixo da árvore que chora nódoas, também eu choraria suave em confortos os medos em seus ombros.
Conforto.
Deus, resignação.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Gotículas penduradas.
Melhor eu mudar de emprego, de profissão, porque a porteira se abre, vem a enxurrada – já a escuto adiante.
Orvalho se dissolve, coisas pequenas passam a não ser, tão intensa é a água que está por vir.
Em verdade, já chegou. Em verdade, já se anunciou. Prenúncio na boca da madrugada.
Ontem, ela me chamou. Sedutora. E eu já embebida de lágrimas e repetição. Não fosse a obrigação, não fosse um lampejo de lucidez (?), de saber que preciso bater o ponto, de saber que há prazos sobre a mesa, sobre a cabeça, elevadores em incessante desce e sobe, não fosse o duro dos dias, teria me entregado em noite-solidão.
É romântico se entregar. É bonito doer.
Mas me agradece o passo adiante. O passo cotidiano. Saber haver outras palavras, outras que não amor, dor. Outras, esperando ser escritas: “inadmissível a modificação do julgado, por meio de embargos de declaração”.
E saber é não ser. Fingir ignorar.
(Continuar nem sempre é continuar)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

tem uma pedra no meu coração
digo não é uma pedra meu coração;
tem uma pedra
do tamanho de um punho
do tamanho de quase todo coração
pesado
bate lento
lento como a gorda mulher presa na cama, sem poder se levantar
lento sem primavera, verão
o tempo é cão -
lembra de vez em vez meu coração
nada é leve,
galhos, ramificação
pó, calcificação

hoje não vou conseguir dormir
enquanto essa voz que invento
repete, repete
no canto do ouvido
repete, repete
"the greatest, the greatest, the greatest..."
só ela é líquida
desliza como mercúrio
e o único resíduo que deixa é o arrepio
mais leve do que sopro sobre pele
em lembranças menores do que quase inexistente penugem

e em mim continua a música
ainda que alguém levante a agulha
ainda que o acorde se suspenda sem explicação
em mim continua a batida do bumbo em pele frouxa
lenta
lento meu coração

chorava o vinho
chorava a madrugada
escorria lágrima
em taça
curvilínea
como em corpo de mulher
- pista sem farol
na madrugada

chorava
a despeito da viola simbolista
longínqua qualquer nota,
qualquer aliteração
dentro, a madrugada:
reverberação

dançam, ignoram os passantes
comemoram qualquer coisa
buscam nada
sabem nada
- impertinentes!

agora e sempre chora a madrugada
macio busco colchas e cabelos
macia é coisa nenhuma
encharca madrugada
escorre em taça
lágrima curvilínea
já é dia e ainda insiste
a madrugada

segunda-feira, 28 de outubro de 2013


She flew without wings
She knew there were no strings
splitting me from things
I knew I knew
she would leave
just before she licked
what my socalled body used to feel
Among me and things
there’s nothing left
nothing more than what she still is

segunda-feira, 21 de outubro de 2013


Creep
Deus me fez perneta, a alma cambeta.
Como se arruma uma muleta pro coração?


Migalhas
Bom é amor não correspondido. Bastasse qualquer migalha pra satisfação. Quando se quer tão pouco, qualquer tanto é um tanto bom.


Pretty eyes send me to paradise. Mean it otherwise. When they are so mean, themselves, a disguise. Fucking hate them when I seem to fall every now and then for their lies.



Such an idiot, such as myself. Whether good, whether bad. Who am I? Who needs an enemy when the enemy lives inside your own eye?

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O cotovelo em cicatrizes do velho limoeiro de folhas espaçadas tocava o vidro espesso da janela em som atonal. Na fachada de cal descascado da casa, a única lâmpada de 40 watts pendurada lembrava de um escuro maior do que o da noite em volta.
O muro baixo, o alpendre. Cor nenhuma. Passava-se pela rua em contorno, não se via quem desligava ou acendia a luz velha.
O velho limoeiro não sabia mais ser um limoeiro, tão longínquo em seus frutos. O velho limoeiro só sabia ser o som que produzia, a única coisa na noite escura que vivia.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

à guisa de explicação

“e eu corri pro violão lamento e a manhã nasceu azul, como é bom poder tocar um instrumento...”
Critério. Coerência. Meus fantasmas. Lua em virgem? Não sei.
Quota de quotidiano foi a transição de uma coisa. Antes, era o chaodealecrim, o blog que ficou comigo por quatro anos. Mas aí quis mudar, aquilo tudo cansou. Pensei numa ideia de uma crônica mais cotidiana, umas coisas assim, aí, veio o nome. E quota era parcela, mas, também, quote, no inglês, uma coisa de referências que pairam por aí.
Mas já há um tempo me incomodava pensar que o título do blog não andava muito fiel ao conteúdo que se foi estabelecendo. Não que o cotidiano não permeasse a escrita, as questões, mas não era bem por aí. Era uma outra coisa. Então, aí vai, outro nome, outra cara, de novo. Algo mais condizente, eu acho. Não sei.
Mas, pra mim, e, agora, nada mais verdadeiro do que a selva – a de dentro, a de fora – pra poder traduzir.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Os vitrais de madeira escura fazem do olhar um quadro de se olhar de dentro pra fora. Pensamento perdido no tempo se adjetiva de cenas mudas de um dia comum – ninguém sofre, ninguém morre, ninguém chora. De cima, tudo anda devagar.
Da janela, com essa luz, fica parecendo que se sugere uma paz, uma felicidade, um jeito suave de se olhar os eventos externos a contagiar a esponja saturada de dor a gotejar aqui dentro. Não. A foto rasa dos passantes, as alegrias se me esfregando como brocha cheia de água e cal, os verdes se deixando tocar pela luz enviesada, tudo encena raiva, inveja, tudo vem ser criptas insolentes me lembrando que o que dói, o que é feio, o que é censurável em palavras que não se significam só o são do lado de dentro. Do lado de dentro. Como se se pudesse virar do avesso um bucho, como se, esticando-se a mucosa, o movimento lento, forjado revelasse as microvilosidades todas pelas particularidades que se escondem por detrás de uma superfície lisa. Nada é liso, nada é claro, transparente. No muco ralo, sempre aparece um pouco de sangue, de catarro. Os interiores.
E, lá fora, dá vontade de maldizer tudo. Dá vontade de que o mundo amanheça cinza amanhã. Que tudo vire lodo e lama. Que tudo vire nódoa, esgoto. Que esses sorrisos caiam como dentes cuspidos em sangue. Dá vontade de que ninguém tenha vontade de nada. Porque os passantes, as pessoas-paisagem, de tanto posar à foto, de tanto gastar as cotas de uma felicidade medíocre, desperdiçam-na em tinta fraca, roubam o que, de pouco em pouco, poderia ser de verdade feliz em mim.

domingo, 21 de julho de 2013

gota de cristal faz arder a retina, a capa invisível que separa o mundo de fora que vem pra dentro. e de dentro salinizadas significâncias materializadas incessantemente como roda de fiar. lubrificam que coisa? o que de fungível precisa virar coisa leitosa ao invés de calar as intenções só pra si? diamante-droga. futilidade que embaça o vidro do ônibus, acrescentando espessas camadas à saliva, mudando o estado das palavras. vil calor abrupto. estrada intrépida sem fim. não bastasse ruborizar a face, ainda as tingem de seu áspero branco nanquim.

terça-feira, 16 de julho de 2013

sábado, 8 de junho de 2013

E eu passei a ficar pesada, eu voltei a ficar pesada. Pensei fosse um sonho, meu corpo leve como uma casca de cortiça. Pouca pluma dentro do travesseiro. Tudo querendo extravasar em ar, tudo murchando o ar de dentro. As partes não mais enchem as mãos como dantes: seios como fruta velha na fruteira. E as pálpebras viraram um invólucro de memórias cansativas. O que se mostra de fora passou vindo de dentro como peneira, osmose de experiências insolúveis.
Rosa, róseo, pálido, tons se esmaecendo como pele. E as coisas vão se indo e se esvaindo, descolorindo o que de bom pensava-se ter se acumulado em algum lugar. Fotografias, assim como as memórias, também amarelam.
Eu, é pena, tenho perdido confiança em mim mesma.
Triste como aquele, obsessivo compulsivo, que checa as gavetas incontáveis vezes.
Os sapatos, os livros dentro do carro, o fio dental dentro da bolsa. As circunstâncias que desperdiço.
A agenda da agenda da agenda. O relógio do relógio do relógio.
Damn it!
Perde-se a juventude, perde-se o impulso. Saber para quê, se o que importa é o arriscar-se. Hoje acordaria menos sabedora de coisas, hoje queria ser uma coisa branca sem inscrição, sem mancha, sem falha. Pudera desaprender tudo.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Na vida não se pode querer tudo.
Uma cabeça que pensa o amor não deixa sentir o amor.
Uma cabeça que pensa o amor escreve, recita, se aprofunda nos escuros próprios. Leva o corpo às inexistências, porque a cabeça é tudo o que há. O corpo se acaba em tavernas, em hábitos, negligências. O corpo não existe mais só, é magro, invisível, é fino, patético, infantil. (O corpo precisa de um outro corpo pra ser corpo).
A cabeça que pensa o amor mata o amor.

blow out

Os índios no Xingu raspam a pele pra tirar o sangue ruim. Da pele quente sai fumaça, do seu olhar – um olhar em brasas.
A amante, no auge de toda entrega, lhe sangra o cotovelo, tirando o sangue ruim, libertando o jovem Franz da dormência que lhe invalidava o braço, o viver, o sentir – sabe-se lá.
Sangrar o sangue ruim, o sangue pisado, a água turva e empoçada, romper a bexiga purulenta que segura o que não quer sair.
Por certo que me deveriam sangrar o coração inteiro, o invólucro escuso que represa a lava morna e petrificada que, de espessa e suja, não passa por veia nenhuma, deixando o corpo frio como o de um filhote moribundo, e que não encontra forças nem pra morrer. (É preciso esforço até pra morrer).
A cama, o chão, o azulejo, toda superfície é fria, dura, cortando a pele pelo encontro com os ossos.
Alguém que me sangrasse como se sangram porcos, fazendo um orifício pelo caminho da axila, alguém pra expulsar, mãos fortes, brutas, me segurando pra não escapar, fazendo ecoar o grito agudo até o outro lado do morro, talvez fizesse do órgão não uma bola recheada do pútrido, talvez de bexiga ele passasse a esponja, como o pulmão, podendo se inflar, se não de sangue, talvez de ar, como uma quase ausência, com espaço pra respirar.

sábado, 6 de abril de 2013


Acho que lá se foi o último caco, mas sempre encontro mais um e mais um pela casa, o que me faz lembrar de noites mal dormidas. Varrer pra debaixo do tapete, esconder de si mesma pós e restos de coisas que vão se depositando, pesadas como mercúrio.
Mas mais uma parte de uma coisa, mais uma parte e os cacos são peças de você mesma. E a matéria de que são feitos nada difere do que também te forma.

domingo, 17 de março de 2013


Líquido mercúrio cromo. Rastros em veias e próprios sulcos que nascem dos rastros todos. Em pele, em pelo. Desenho do que escorre e mancha e suja o seco branco da pele. Sangue. Tinto. Espinho. Broto que brota e do que esparrama quente – quase um carinho. No peito, um risco. Ponta de faca.  Lança em riste. Triste estribilho.