quinta-feira, 26 de abril de 2012

Como disse Caetano, "como é bom poder tocar um instrumento...". Sempre pensei nessa coisa de se poder ter um outro canal, aquele que o artista tem, pra se expressar e mandar mensagens por aí, pra si próprio, pros outros. Um jeito que lhe custa, mas que lhe agrega ainda, porque vira obra, pra ele e pros outros. Não desejo o sofrimento dos artistas como substrato, mas uma vez que eles transformam tão bem intempéries da vida num outro produto.
Tipo, de novo, o Caetano quando, dizem, não deu conta literalmente da tigresa da Sonia Braga, tipo de amor que não pode dar certo na luz da manhã, tudo virou um eclipse oculto. Uma brochada muito bem aproveitada... Rsss...
Ou um doce jeito de se vingar, não porque deixa de ser amargo, mas, justamente, porque traz uma ironiazinha, um saborzinho de deleite. E deleite é puramente Ângela RoRo (som de hoje no carro).


Tola foi você (Ângela Rô Rô)
Tola foi você ao me abandonar
Desprezando tanto amor que eu tinha a dar
Agora veja bem, o mal é vai e vem
Só esperar
E se eu mudei devo à você
Todo desamor que a vida me ensinou
Coração aberto, felicidade perto
Sou toda amor
Agradeço tanto, agradeço por você
Não ser do jeito que eu sou
Agradeço tanto, agradeço por você
Não ter me dado o seu amor

Na mesma onda, lembro do Cazuza, jorrando marimbondos. Não pude colar a letra aqui, vão partes que eu lembro.

“Pelos dias de cão muito obrigado
Pela frase feita
Por esculhambar meu coração
Antiquado, careta
E trair e dar inspiração
Pra eu ganhar dinheiro”

Ah, seu eu pudesse ganhar dinheiro com coisas desse tipo... ia ficar rica.. Rsssss...
Obrigada a todas as vozes que  me emprestam palavras, gestos e jeitos que posso gritar por aí, adoçando a língua em vinganças veladas, me deixando endossar venenos...

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Constatação. Os blogs das pessoas de Brasília são os que mais contem pessoas de terno e gravata em suas fotos de perfil.
Tem hora que é dificil... Rssss....

terça-feira, 24 de abril de 2012


Um filme bom, lento, com uns takes aéreos lembrando Blade Runner, mas também com um quê de Taxi Driver (alguém também sentiu isso?). Em alguns momentos acho que abusou um pouquinho da estética, mas, anyway. A música também é boa (mas vale também o mesmo comentário anterior).
To pouco inspirada pra mais divagações, mas se alguém quiser acender alguma coisa aí...

terça-feira, 17 de abril de 2012

Dia 19 de agosto de 2008, quase há quatro anos, foi quando cheguei a São Luís pela última vez. Na noite anterior, uma decisão mudava meu rumo de novo. Fim do fim, começo e recomeço. Sabia que acabara. Ali, seriam, definitivamente, duas estradas.
Agora, chego um dia depois de um fim. Mas o fim de verdade, a morte. E o recomeço? Quando me separei havia um sentido de alívio somehow. Olhava o mar como algo que acalma e que convida ao abismo, à vertigem do sem-fim. Agora, não. Agora, parecia não haver nada de errado. Se apegar menos aos entes queridos? Substituir aquele que esteve presente e não está mais? Que recado, que resolução pode haver?
Hoje o signo falou alguma coisa de keep walking. E é o que vou fazer. Só isso. Minha função é ligar o botão, só isso. Levantar da cama, me empurrar pro meu cotidiano.
Mas a vida insiste. A vida insiste aqui e lá. Ontem, na volta pro hotel, fosse outro dia, qualquer outro dia, eu notaria. A vida insiste e eu não querendo ver vi. Um rapaz sem camisa tocando cavaquinho numa cadeira na calçada, calçadas estreitíssimas onde se colocam mesas mais estreitas ainda e jogam-se jogos que não sei  o que são, o salão Styllus, com 2m², onde o próprio cabelereiro é careca e faz o corte da moda no pré-adolescente, bancas de peixe e camarão, a pichação escrita “blek” no muro, um cachorro esperando o outro no beco, e um outro tentando mastigar qualquer coisa, o velho com a almofada no muro pra apoiar os cotovelos, todos vendo o movimento, uma que sai de banho tomado pralgum evento, o açougue, o ponto de ônibus, as crianças, as senhoras, as pernas, as chinelas, as cabeças, todos numa segunda-feira, num trem pras estrelas, tudo se mostrando pra mim, insistindo como pontos coloridos num mapa, vagalumes num brejo escuro.
São Luís é dor e é redenção.

segunda-feira, 16 de abril de 2012


As pessoas são feias, há pessoas feias. O homem estrábico me olha, mas na verdade não sei se olha pra mim. A feiura se mostra pra lembrar o grotesco da vida. Só a criança me olha com propriedade. Me olha através como as crianças e os cachorros o fazem.
Numa terça-feira difícil ele chegou na minha vida. Uma terça ensolarada de dificuldades, imagens e situações se esfregando na minha cara do outro lado da rua. A tarde se acalmou pros rumos do fim, das árvores e matos e de uma casa onde parecia haver paz. Cachorros de todos os tamanhos vivendo em liberdade vieram me receber no portão, a mae, visivelmente a mãe, cheia em peitos, foi quem se posicionou em relação àquela visita, talvez já bem desconfiante com outras anteriores.
Ele me escolheu, veio se recolher sob meus pés e pernas, mastigou minha calça de dentinhos fininhos. E ele já era meu, se fez comigo como uma extensão de mim, da minha personalidade, da minha estória, querência. Mas ele já se imprimia por si também. E como me escolheu, escolheu seu próprio nome por detrás da porta do box do banheiro. Tinha personalidade, vontade, escolhas, mas era tenro, carinhoso, suave, alegre, feliz na sua existência, a cabecinha se curvava pra mim em delicadezas pra eu colocar nele a coleirinha, a roupinha de ginástica que ele tanto gostava, ou quando se despedia de manhã de mim antes da ida pro trabalho. E era charmoso, sabia fazer manha, e beijar no ar de linguinha pra fora da boca a cada vez que eu falava algo, principalmente como disfarce de alguma traquinagem.
Dançava comigo, adorava dançar e também cantava as letras que eu inventava pra ele e ficava me esperando acordar o que significava ouvir o estralar dos dedos e costas e vinha na beirada da cama, respeitando a regra do não subir, mas se abanava todo, intenso, feliz. Eu o pegava no colo, íamos até a janela e olhávamos a rua antes de começar o dia. Ele se enrugava no pescoço como ele gostava de fazer quando sabia que estava recebendo carinho. Tínhamos nossa companhia, nossa presença, nosso sigilo, cumplicidade, o silêncio da presença, nossos momentos de aconchego e acalanto.
Queria ter brigado menos por tanta interação com os meus sapatos, meias, chinelas, sutiãs, CDs, livros, óculos, deixado mais você subir no sofá, ou ficar atrás de mim na cadeira enquanto eu estudava, queria ter zangado menos com você, queria ter visto mais você tomando seu solzinho, queria ter arrumado um jeito de a gente ter andado de bicicleta juntos, de você ter ido ao Rio e a Florianópolis, de você ter comido mais abacate, e dormido nas minhas pernas. Queria só que você fosse mais, pudesse estender pra dentro da vida junto comigo, como éramos, como uma dupla que éramos, ver as coisas acontecerem do lado de dentro e de fora…
Outros cachorros passeiam na rua, poodles horrorosos, andam por aí como se nada tivesse acontecido, o cachorro do vizinho estressado como um europeu continua latindo corredor afora, como se tudo continuasse imóvel, sem a importância de uma alminha leve, um soprinho pequenininho e fraquinho o suficiente para encher uma bolha de sabão, um passar de algo tão leve quanto seus ossinhos no final, seu andar flutuante, e os pulinhos sôfregos pela escada me procurando pela casa grande, a tarde parece não aceitar que esse vaporzinho tenha dado o último suspiro, um anjinho de asinhas em pluma, árvores ventando, micos em outra categoria de bicho se exibindo pelos galhos, pessoas, sol, nuvem, tudo ignorando que um ser se vai e se esvai, um corpinho pra se encaixar no meu peito, repousar como uma fitinha ao vento.
E, de repente, nada faz sentido, nem ficar em pé, pensar em Paris, em desejo, em carnaval, música, poesia, projetos, compromissos, São Paulo, devaneios, planos, cores numa parede. E o que ele habitava foi se retirando, saindo de fasto, aos poucos, pra que eu não percebesse, lavaram o tapete, o sofá. Seus rastrinhos apagados como vestígios. Mas sua presença está ali, lá, acolá, está comigo, onde eu estiver. Nino pode viver agora e unicamente em um só lugar, mas este é aqui e será sempre no meu coração.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

A todas as mulheres que merecem esse título que carregam. Algumas, vos digo, são menos (menas, como desejam alguns). Mas ainda há tantas, tantas, todas de Marina Lima e tudo mais. Mães, avós, tias, em tudo quanto é esquina. Garanto que você as conhece. Vai, então, aí a homenagem do dia.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Portishead

I just don´t wanna be a woman...

In love with a ghost

De noite, é de madrugada, ele chega como que por entre as frestas, invade como névoa baixa no chão. Sei que finjo não esperar, mas entrelaço os dedos e mordo os lábios. Vem vestido de insônia, me alcançando de unhas e dedos leves por debaixo das cobertas. Me crava os dentes e me bebe inteira, invadindo todos líquidos.  Me molha os ouvidos com pedidos que repito e repito e repito baixinho e atendo deslizante sobre a seda. Tudo arde, tudo quer e se desmancha em som surdo que se esvai pra dentro do travesseiro... E mais uma noite vai e mais uma noite chega...

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Não sei por que, mas parece que o Jardim América era muito mais quente naquela época. Não sei se eram as ruas de terra e as árvores que ainda não tinham crescido aquele ar desértico. Ou o fato de a gente não separar o que era viagem e realidade, em cima de uma mobilette, fazendo crer que toda aquela terra vermelha eram os cenários de Easy rider. Tudo era mais simples e havia paixão. Bastavam dois shorts, uma calça pra sair à noite, um pôster na parede e um toca-discos portátil.
Tudo isso ficou pra trás junto com a ingenuidade, a vontade de mudar as coisas, pensar em Jesus Cristo como um hipponga, um John Lennon.
E refrescar as tardes tão longas com q-suco de groselha sentado na calçada. A gente sentava na calçada, no chão. Tocava-se violão, fazia-se serenata, andava-se a pé pelas ruas em zigue-zague. Todos juntos, todos em bando. Éramos um grupo, grupos, cantigas que se cantavam, músicas que se conheciam. Alguém tirava as letras das músicas românticas e o caderninho com todas elas era uma relíquia.
Hoje eu fico triste de lembrar de tudo isso, a sombra fresquinha do flamboyant na porta da igreja, os cabelos nos ombros, ao vento na motocicleta, a loja de discos no centro... saber de tudo isso e parecer não poder fazer nada. Hoje a mobilette não embala nenhum sonho, está encostada num muro... nada embala nenhum sonho, manjar com ameixas, carne cozida com cenoura, pequenos carinhos pra mim mesmo e que hoje passam batido como um passante, como qualquer um na fila do supermercado. Ter tão pouco e querer e poder tanto. Ter tanto e não ter e querer nada.

terça-feira, 3 de abril de 2012

A mecânica das borboletas

O mundo, pra ser visto, o mundo deve ser visto a um passo à frente da visão.

Sentidos. Tato, cheiro. O cigarro de Rômulo, a gasolina queimada da Harley Davidson, os corpos se roçam no chão, mãos fortes que seguram o seio pequeno.
Tudo é bem masculino, o cenário, uma oficina mecânica, uma cozinha mínima. Mas mesmo na força, na masculinidade, nos braços em pelos que saem em direção ao outro, na fala grave, sôfrega que cospe sobre o outro, em tudo isso também há fragilidade.
As questões de sempre e sempre e os temas que passam por gerações. Abandono, incapacidade, estagnação, ciúme, resignação. O teatro é eloquente, é voz que fala mais alto, mas é tão real, tão agora, meu, seu.
Nem Remo ou Rômulo estão corretos (quem está?). Não é só sobre perdão. Como perdoar? A única saída é dar uma chance, se dar uma chance, pros sonhos, sonhar em cima de uma motocicleta, se encontrar do outro lado do mundo. E, talvez, agora, ainda mais distantes, os irmãos nunca estiveram tão próximos.

(No finalzinho, quase ninguém ali, mas eu olhando, uma cena bonita. Uma criança de uns oito anos, talvez filho da Ana Kutner, veio em direção a ela e a abraçou de ventre, depois chegaram os outros atores, quase um a um, todos abraçaram em conjunto a criança e saíram juntas, como que comemorando, parecia sensação de dever cumprido, de mais um dia. Todos saíram juntos, abraçados. Me pareceu que o teatro é isso, um tipo de família, pessoas sendo, sendo juntas. Quanta coisa pra ir pra casa junto...)