quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Na cozinha fui seguir o rastro do som distante que ouvia.
Era sua alma procurando algo com que se alimentar.
O rato, o gato, a mariposa, todos, representações do seu leve vagar.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Ao seu lado não posso ser. Nada posso ser. Sou um vaso de gesso no canto, uma planta esquecida, respingada de reboco, tinta, tempo. Sou um cachorro velho que não serve pra guarda, brincadeiras ou carinhos – pelo sem viço, babas insistentes, remelas que turvam a vista, tudo causando nojo nos circundantes que ignoram minha existência pelo quintal. Da grama, onde deito, espero sua mão que, muito de quando em quando, vem me acalentar, fazendo me doer ainda mais os momentos outros de ausência (culpa). Nessa moeda pouca, o meu esperar é o próprio esquecer de morrer.
Um fiapo sequer não há no que se pode dizer do que sobra de mim. O que ainda melhor se nota por um quadro de algo que se transforma em mais do que imagem na sugestão do pouco peso, das gramas que vou perdendo aos suspiros, eu, frágil como costela de um filhote enfermo.
As temperaturas oscilam e se esvaem como única nota de existência. Cabelos que sobram sobre a cabeça e que se esparramam pela casa como um significado de vida, mas, também, um a um, demonstram a perda das coisas.
Comer, dormir, banhar o corpo magro – o rastro deslizante do sabonete, uma constatação inevitável de um lamento –; tudo custa uma energia que não se possui.
E a bagunça, a sujeira, os objetos há dias espalhados, a louça que se resseca sobre a pia, o leito revirado: os únicos habitantes na minha convivência.
E o ar do lado de fora, forjando vida pra dentro de um fraco orifício, grosso e pesado por carregar tanta vida, vida nenhuma consegue trazer.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Pela tristeza do vazio e do vazio que se faz em pensar coisas.
Brasília é fria e impessoal, foi o que ela disse.
Me doeu, nao como uma ofensa, mas por ter pinçado uma verdade, um letreiro em relevo no meu peito. E aí, ficou evidente que faltou o que de lar se encontra numa casa: cores, bibelôs, fotos, cartões postais, tudo me olhou com um sorriso amarelo. Busquei referencias sobre a cama, confortos outros, conforto no conforto, mas os rastros, os desenhos sobre o lençol, tudo se impregna de uma presença que nao se comporta mais em so imaginar. As paredes, o chao, o sofá as superfícies todas e o ar e os objetos trazem o pó indelével, os rabiscos das idéias e sensações sujando tudo. Um espelho invertido; o que se mostra dentro a partir da voz dos outros. Até em água algo se depositava.
E então nao é mais so a ausência do outro que incomoda, mas a sua própria ausência.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

surely they came by the shore
shooting stones all over the surfaces
reaching seagulls
seeing the seaside
sorrow won´t let them suffer
the sand, the sun, the sea
everything seemed to be satisfactory
sufficient
free

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O céu sobre nossas cabeças
passam pássaros ou prédios
Nuvens que se fecham
nada causa medo - nem chuva - porque você está aqui
Tempo e espaço se fundem pelo mesmo motivo
Dia, noite, madrugada nenhuma é triste
Piano de criança ao longe
Vento na paineira
Nada é distante
ou vazio, nada
porque você está

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

fome de amor

Dueto - Chico

Consta nos astros, nos signos, nos búzios
Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas
Eu fiz uma tese, eu li num tratado, está computado nos dados oficiais
Serás o meu amor, serás a minha paz
Mas se a ciência provar o contrário, e se o calendário nos contrariar
Mas se o destino insistir em nos separar
Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz
Consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela
Está no seguro, pixaram no muro, mandei fazer um cartaz
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos mapas, nos lábios, nos lápis
Consta nos Ovnis, no Pravda, na Vodca
28/01/13

A felicidade, de tanta, e de não haver os compartimentos internos suficientes, a felicidade tem transbordado.
Mas o que transborda se perde, se esvai e leva consigo fluidos outros, por se misturarem os fluidos todos em coisa só, como raiva, dor, remorso, pena, desconsolo.