sábado, 24 de março de 2012


Olho pela janela, vejo os prédios com mais de seis andares de altura e penso que estou numa metrópole, em São Paulo. Se fosse, o que a menina estaria fazendo em casa num sábado à noite, com seu gato (sim, seria um gato), fumando um cigarro, de pijama, por que não na Augusta, numa esquina da Vila? Mero luxo, pirraça, charmezinho de gente meio gauche, ou seria o dia de uma amigdalite? Parece que estar em casa num dia assim só pode ser uma escolha. Ou será que também lhe faltaria companhia, amizade, pelo menos, só pra boemia? Ou será que está correndo pelos deadlines, um texto pra entregar? Antes, a noite era um assunto, tipo, laboratório, dizia que sair era produzir material. Mas, agora, o que seria? Cinzeiros cheios, duas xícaras de café antigo pelas metades. Não sei o que ela está fazendo, porque, se o holofote da escrivaninha nem está ligado… Passou pelo porteiro do prédio só uma vez hoje, deixou pouco rastro. O que ela faz em casa, se arrastando pelo taco, sem sono e com preguiça? Por que não se ofusca no meio das luzes, do barulho, dos passantes, dos personagens? Hoje, não, hoje ficou só o não, sobrou outro tipo de escuro. Talvez fosse o filme do Truffaut que ia passar na tv, ou a desculpa de um compromisso amanhã bem cedo. Não, mas ela não, ela nada. Ela, poderia ser qualquer coisa, tanto substrato pro voyeur, tanta inferência. Já eu… ninguém me espreita da janela, não há ninguém do outro lado, mesmo quando ando displicente de seios à mostra pela casa. Poucas são as ruas. O fato de estar de pijamas apenas acusa a falta de meias na casa de chão limpo. Eu e o cachorro nos encolhemos no sofá; dois corpos esquecidos. Nada de dor de garganta, trabalho pra entregar, compromisso pela manhã. Mas aquém dos prédios altos, resta minha imaginação, resta meu sonho, minha viagem. Transponho, binóculos alcançando o outro lado da rua, o outro lado da possibilidade. E a rua Augusta pulsa agora e sempre aqui no coração.

quinta-feira, 22 de março de 2012




Não tenho saudade dos meus irmãos só... Tenho saudade de ser criança junto com eles, ser e estar criança do lado deles...
É por uma obra como essa da postagem anterior que penso que numa outra encarnação, mais próxima dessa, queria ser crítica de arte, e na outra, mais ainda, queria ser artista, porque nesta, nesta mesminha, ainda sonho e quero e vou ser escritora.... Saravá!!!!

quarta-feira, 21 de março de 2012

- “Pronto, aconteceu de novo...”
- “Sentimentos num caçador de andróides?”
- “Não, melancolia na menina da bicicleta...”
É. Ela foi chegando de mansinho. Ela é pequenininha, mas poderosa, de costinhas frágeis, me espreitando pelos muros molhados de chuva, onde passo a mão. A encontro em um sonho, segurando um ramo de alecrim. Se parece comigo, parece que olho num espelho. Mas é um pouco diferente, o cabelo mais cansado. Cheia de estórias, fala muito, mas quando me olha, me olha profundo, sabendo o que eu to pensando, e estou pensando que ela sabe o que eu estou pensando.
Ali, agora, olhei pra ela, falei até meio ríspida, nem me arrependi, mandei ela embora. Mas ela é insistente... Veio com a chuva e parece que ela não vai se despedir enquanto o chão não secar.
De noite, assisto novela, e ela acha que o que ela tá me fazendo é companhia. Mas sei, hoje eu sei, tudo isso é um vampirismo. De que adianta a profundidade, se o que a gente quer é só que alguém vá à padaria por você? Bom, sabe, ela é até inteligente, quer dizer, ela é, profunda, interessante, mas ninguém a penetra. Fazia francês – pelo menos isso ela deixou de bom pra mim - , fez alemão.
Aliás, vou dizer bem o que eu acho, agradeço muito, a olho em todas as fotografias, os dentes meio tingidos, sinto pena dela, sinto raiva, mas agradeço a ela tudo o que sou hoje, tudo o que pude me tornar, a pele quente que carrego, a falta de pelo que convida todos os sentidos, hoje, sou muito mais pele, mais morena, mais mulher. Tá bom, não desdenho mesmo, não cuspo, obrigada, obrigada, mas, agora, termine o seu café e vá embora, senão você vai perder o ônibus.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Sabe o que é bom na vida? A intimidade. Tenho 31 anos (embora não pareça.. hahahhaha...), dos quais, 16, divido uns medos, uns grilos, umas besteiras, umas descobertas, umas novidades, umas palhaçadas, umas alegrias, umas decepções, umas estórias, as minhas estórias com uma figura que, embora em períodos intercalados não estivesse convivendo um tal de cotidiano, esteve sempre presente.
Sempre fui quem conversasse com todos na sala de aula, das colegas evangélicas aos meninos do fundão, dos gays aos playboys, dos esquecidos aos populares... Anyway... Eu, na verdade, tentava me aproximar dela. Sentava na frente com uma colega meio left over. Era tímida (quem diria?), nunca olhava direto nos olhos, desviava o azul aparente por detrás das lentes ovaladas. Usava um colarzinho do Corintians (é verdade...), uniforme do Messias Pedreiro com a gola azul, calça jeans da HP desfiada, tênis marrom.
Foi assim que começou. Mas começou mesmo quando o meu primeiro namorado, Renato, terminou comigo bem na época das provas bimestrais (tinha coisa pior?? rsss) e eu, desolada, pedi socorro a uma amiga da época que simplesmente não deu a mínima. Do outro lado, a figurinha Luana Bernardes me ligou de orelhão, disse o que tinha acontecido e ela saltou de um ônibus pra ir chorar comigo lá em casa... (ai, os 16 anos...).
Depois disso, pronto, comprar uma agenda que fosse no centro da cidade era desculpa pra gente se encontrar e ela emendar um pouso lá em casa... rsss... aliás, acho que ela morava mais no número 800 da rua Tabajaras do que em qualquer outro lugar. E ligávamos uma pra outra quando chegávamos em casa depois da aula. Ajudei ela a desabrochar umas coisas que sempre estiveram nela, tentava estudar biologia, tentava acordar ela de manhã (não mudou nada...), consolava, derrubava as minhas lamentações sobre ela também, e as fofocas e as paixõezinhas que dividíamos e as músicas e os livros e os poemas que decorávamos, tudo o que era novidade e tudo que era o repisar de todas as coisas, a relação com a mãe, os amores que deixavam sempre rastros e rastros.
Nesses anos todos ela casou e mudou, e mudou mesmo e sumiu, sumimos, mas agarrei ela de volta, eu casei, eu mudei, ela não sumiu, ela virou perua (rsss... brincadeirinha...), sabe tudo de maquiagem e unha, ela bateu o pé e foi ser enfermeira, talento velado, e deu um banho em tanta gente e em tantos ciclos, e veio morar em Brasília, às vezes se afasta, se estica pra lá, eu quero puxar de volta como um elástico, eu gosto dela, eu preciso dela, eu preciso da gente, da nossa estória, do nosso silêncio (que eu quase não deixo acontecer...rss), do nosso não-fazer-nada-na-frente-da-tv, das manias dela, das minhas manias de consultá-la, admirá-la, vê-la explicar, vê-la me entender, me saber como pouquíssimos, de saber que não estou só, que não sou só eu no mundo com o travesseiro encharcado de ideias que só existem na minha cabeça, porque ela é o meu outro olho que pode ver por dentro e por fora de mim, ela me deixa ser, mesmo quando briga comigo e me toca em feridas, ela me faz me encontrar e ser. Apenas ser.

quarta-feira, 14 de março de 2012

do sol

Sempre foi assim. Pão e circo. Bom, menos pão e mais circo, porque o cachorro-quente era seco, ruim e custava 12 pila.
E é circo. Apesar de toda a tecnologia, é circo, sim, com tenda, números clássicos do malabarismo e contorcionismo, mágico, palhaço, ou o mágico-palhaço com sua assistente gordiiinha, querendo atenção dos holofotes – ne me quitte pas...
Eu aqui, meio reticente, pé-atrás-de-mineiro, pensando ser tudo como coisa pra turista, sabe como é, fui meio que cabrito-amarrado lá pros brejos do Park Shopping, lugar que evito de ir, pela confusão que é estacionar, destemperos que Brasília traz de sobra pros meus momentinhos de laser. Anyway. Preocupada com o pequeno peludo que ficara em casa adoentado, com sua imagenzinha miúda e debilitada a apontar na minha cabeça toda hora como uma estorinha contada em slides. Era natural o desconforto, também passando frio na porta da tenda, esperando o resto da companhia chegar.
É coisa pra turista, não paro de pensar. Quando mais se perceba que eles vendem até a mãe, desde que possua a logo do Cirque du Soleil, com seus direitos registrados.
Tá bom, sento-me. Não gosto muito duns ajudantezinhos que começam a se mostrar o próprio espetáculo, fazendo umas gracinhas com pipoca, com as senhorinhas tentando se sentar. Aff...
Mas o show começa com seres molusquentos, coró-de-coco se rastejando pelo chão. E mais e mais um. Elementos que começam a te confundir, figuras que saem do meio de uma floresta de tubos de metal, e, de muitos que são, você começa a não conseguir acompanhar. O chão mesmo é um cenário, com buracos que engolem e devolvem os personagens.
O jocker, tenho certeza de que é francês, com seus músculos finos e salteados como os de um alpinista, começa a contar a estória, e logo se vê que tem apelo ecológico. Transforma barulho de carro, buzina, em passarinho, vagalume. E as luzes se apagam de uma vez e é um vagalume que realmente apresenta a atração.
Um anjo-pássaro, frágil como uma pena, cai do céu e tem suas asas roubadas e é enrolado por uma rede, que sobe pro menino fazer tanta façanha, tanta pirueta e pendurações e contorcionismos, que você não acredita mesmo. É o ponto mais alto da noite – e faltam letras aqui pra descrever.
A música é ao vivo, com uma japinha miúda e bonitinha cantando com vozes e mãos, e também um cara mais pro grave, maior, meio gordo. E cantam palavras inventadas com vogais bem faladas e “erres” e “esses” e tem uma banda atrás totalmente sincronizada com tudo o que acontece no palco, finalizações, saltos, suspense de quem está “quase” caindo... tudo isso.
E tem tanta referência, tanta coisa que reconhecemos sem sabermos de onde vem, tudo num consciente coletivo, subconsciente, uma coisa meio Tarantino misturada, séculos, milênios, acumulados de encantamentos que tocam os olhos e os sentidos de alguma criança em Tupaciguara nos anos 60, do Tonho da Lua, ou da velhinha de classe média bem perfumada pra noite.
Homens que gritam e dançam graves como russos, crianças malabares, meninas de borracha, mágica de mentira, o outro que faz malabarismo com bolas dentro da boca (... até agora não acreditei... rsss), um deficiente físico de muletas, que recria o estigma da perfeição do corpo que a própria imagem do circo carrega, emociona pela habilidade e deixa uma mensagem ao instigar o anjo caído a se erguer, tudo realmente vale a fama que o circo carrega, impossibilidades acontecendo a pouco metros torneadas pelo jogo de luz, pela emoção do aplauso e mais umas coisas que a gente não sabe o que é.
É de turista, é de turista mesmo. Mas é arte, é música, é expressão corporal, é sensação, é sentimento. É arte, e arte sempre vale a pena.

sexta-feira, 9 de março de 2012

A gringa, visivelmente sapecada dos desacostumes do sol tropical, lia um livro à penumbra do beliche como uma caricatura. Comer, rezar, amar. Pocket book, um pouco cor orelhas já.
British, mas com um accent desaguado no alto do seu céu da boca, se fazendo clara e entendível. Mas, depois, também, descubro que são critérios de estudante de línguas aprendendo espanhol no Uruguai.
Pergunto se se chama Amy, Ema, Amelie (me veio um “m” à mente quando a vi, não sei por que), mas ao que ela retruca, arredondando os cantos da boca pra dizer o nome que em sua terra se faz exótico, “Bianca”.
A vizinha de cima, Zofia, com ares italianados por sua ascendência, 21 anos, titubeia, mais tímida, até dormir.
Falamos de signos, nos adivinhamos, reticências pegas no ar como vaga-lumes. E descubro que há confluência entre pessoas, coincidência, contato. As pessoas se leem além de uma referência em comum de cultura, seja lá o que isso for. E onde há querência e sensibilidade, há comunicação...
Mundo vasto mundo...

quinta-feira, 8 de março de 2012

the first, the last

dear readers,

estou muito feliz de estar iniciando (gerúndio com moderação, espero...) esse outro espaço aqui. faz parte de mim, do meu momento, iniciar coisas novas, novos ares, novos chás, outros olhos.
tenho muito orgulho de ter estado com o chaodealecrim.blogspot por quase cinco anos, escrevi tudo com muita verdade. quem ainda quiser visitá-lo, esteja à vontade, haverá muito imersão, com certeza. mas o que se revela agora é um outro desejo, uma outra fruta, uma outra cor. estarei sempre me revelando, me desvelando, mas, agora, por outra fresta. espero que gostem e espero que eu também.
sejam bem vindos e deixem a porta aberta!!
beijos