segunda-feira, 30 de julho de 2012

Hoje, fosse pela inquietação (limbo, limo), fosse pelo ímpeto, colocaria em palavras a noite inteira. A casa é silenciosa como quase nunca se vê - só a menina insone, aquela que vem vagar, impedindo que me entregue ao caminho esponjoso do perder-me. Mas a inquietação é tamanha, que penso ouvir os coaxares dos seres escorregadios de brejo. Canos? Vizinhos com pouca urbanidade? Ecos de Allan Poe? Ou minha intenção de tornar tudo mais sombrio, como a mão que sinto agora por detrás da orelha?
Eu me mostro, mas não apareço. Uns querem se mostrar demais, acham que com essas mesuras vão destoar do que imaginam de mim. Outros querem-me toda desnuda, de uma inteireza outra e nunca visitada, mas preparam espessos anteparos para o descortinar da minha alma. Insuportável. Tanto pertencimento arranjado e (de) onde quero repousar tiraram tudo, sobrou coisa nenhuma, nem pedra pra se fazer de travesseiro. Pareço o homem em chagas, o leproso mendigando por aí, um Jesus disfarçado, testando seus fiéis.
Se me dessem a mão, se percebessem que tenho pele (essa, sim), que minhas mãos só se gelam pra se aquecerem em outras e só se aquecem (como agora) porque sei que, apesar de sublimes, há outras por aí tão vazias quanto as minhas.

esgueio

0:00. 100%. Nada, a não ser as coincidências, é redondo. Tudo escorre ou lampeja. Janelas protegem coisa nenhuma, cortinas, talvez. E eu com a cara direta da lua de espreita. E não é qualquer lua, mas esta aqui (olha lá..), não é inteira, mas é tão nítida, que parece um espelho. Sei muito bem o que essas entrelinhas querem significar, não sou tão idiota de fingir que não sei o que sei. Pistas pra mim mesma..ah, que coisa mais antiga, pueril, já dizia aquela música dos anos 80...
Tá bom. Aí, injeto penumbras, coisas de esgueio, como se o holofote de dentro não estivesse gritando, como que escondendo a falta de pele, um avesso tão avesso que não há mais o dentro e tudo ficou oco porque foi trazido para o lado de fora - tudo o que eu, na cara dura, protejo debaixo apenas de um sorriso amarelo (e umas falas recorrentes, cheias de esquinas).
Penas, desconfortos, areia, pós, secura pela pele, pela pele do nariz (mucosa, em verdade), tanto incômodo que é melhor lhe dar esses nomes do que a própria coisa em si que, de tão sinuosa incomodação, nome nenhum tem, tem nome nenhum.

segunda-feira, 23 de julho de 2012


She comes inside her coat. It is dark. It has been raining. It’s ok now, but her legs are still wet and everything else, like his eyes through the window – hot breath playing.
She knows he’s been waiting – it has been this way the last few days. He knows she knows it. Rain.
Inside the train all the shaking made her think ‘bout the first time they got into each other – her legs and her strength. Hair. The way the lights went out and in created a movement that made her make dirty plans. The train.

De tudo, sei que o que vem matando é o desejo. Pílula evervecente que alguém engoliu sem água.
De noite, o gelo seco desses desesperos parados vem de manso por debaixo das portas, mesmo que eu insista em borrifar cheiros pelo ar.
Travesseiro parece pedra. Sabonete incomoda só de lembrar sua intenção. Pisos frios pra lembrar choques de realidades. É claro, é escuro, frio, quente. Não se quer saber de diferenças, tudo se ignora como se eu fosse assunto de criança conversando na altura da cintura dos outros. Tudo que falo se mistura. Não existe fala – sempre meu instrumento. Existe só meu corpo (corpo, corpo). Este aqui que sobrevive somehow, mas… até quando, até onde? Onde vai o limite desses lençóis leitosos de sensações?

I wish I was that gifted… I wish I had the guts to carry what I carry from inside out...
Talented. Not being afraid to be so talented and pay the price to be who you are.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

espera

Ele aguardava. Não se sabia, ao certo, antes. Na verdade, não parecia impaciente pela postura que exercia, mesmo em sua baixa estatura. Parado ali, não era só a idade que trazia um tipo de presença, mas uma dor que se mostra, pelo menos pra mim. Mãos nos bolsos de um blazer que, em seu tamanho, não parecia o descuido de proporções, mas mais uma inspiração de duas décadas atrás.
A um certo ponto, não era mais tão cedo, ela chegou. Não era bonita, por certo, alguns traços pouco femininos, quase causando dúvida, mas era jovem. E ele, antes em pé no mesmo lugar por tempos, agora escolhera uma mesa onde posicionava as cadeiras de modo a deixá-lo por trás dela e abraçado carinhosamente. A estatura, a leve magreza debaixo da pele já não tão firme que aparecia nos braços agora sem o blazer escuro, tudo parecia diminuído pelo modo com que ele a abraçava, masculino e tenro, sabedor de coisas e da vida.

away


destilando em líquido no canto da boca o cansaço genuíno das esperas dentro do avião

terça-feira, 3 de julho de 2012

Não fossem as suas bochechinhas, teria um ar mais austero, talvez até mais respeitoso – assim ele pensava. O contrário o fazia se compensar com um mau-humor terrível e a necessidade que imprimia nos circundantes de lhe cumprirem as preferências, engolindo seus rompantes de autoridade mal compreendida. E toda a casa vivia em torno dele e disso, um fenótipo banalizado pela sociedade.
Idos já eram os anos e a expressão não finalizava. Tentara o bigode, sem muito sucesso, e, mesmo que ainda o mantivesse, o fato de agora ser branco o fazia desaparecer ainda mais em sua intenção inicial.
Quando criança, as bochechas eram a naturalidade de se ser gordo, gordinho e por todo rosado. Não seria popular, por certo, mas havia um lugar pra esse tipo de gente, apelidos pré-estabelecidos, um papel esperado. E, assim, ele podia apenas ser. A mocidade é que lhe trouxe um deslocamento entre o que se sentia por dentro e o que se via por fora e tudo degringolou. Casou-se, é verdade, mas à custa de alguns arranjos. E sexo, por certo que também não faltou, pois onde o mundo é mundo e se tenha algum dinheiro, está tudo resolvido. Mas sempre algo se lhe furtara, não sei se amor, respeito – que achava ser essa a palavra para a falta que sentia –, era um não-ser, de toda maneira. E tentava se encontrar em posturas desmedidas e inconsistentes. E em toda essa busca de se tornar e parecer um senhor de verdade, com os petrechos do que achasse fosse necessário, agora e somente, lhe ocorreu que, ao invés do homem grave e velho, precisasse ir atrás de ser a criança, aquela criança que, ao menos, cabia em si.