quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Sofrer por sofrer. Sem fim nem começo, como o movimento do monjolo. Só relento, corpo esquecido. Sofrer como goteiras que pingam e dá preguiça até de trocar o balde. De sofrimento o corpo virou só uma fita esticada, a mão de um pedinte incomodando no sinaleiro. Frio como o chão, como o instrumentário na sala branca do hospital. Mármore. Veias quase que por cima da pele. Sol, nuvem, céu; lembrança do prisioneiro. Calor, nem no coração. Que coração?

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Nodal, corpulento, duro em interiores, como coisa que se calcifica. Impossibilidade de conter as multiplicâncias como farinha e água. Corpo do que se materializa em vitrificações. O que paira, porém, de denso, se deposita. O que torna. Mais vivo que fantasma da madrugada. Mais afoito que galope. Mais sem censura que new borns first breath. Inevitável como fogo na colina, chuva na ladeira. Ramos que se ramificam sem extremidades. Força de correnteza. Atrativo de poço. Curiosidade de criança.  Cativa, envolve, torneia, embala, embaraça. Embebeda, enlaça. Nervuras e nódoas. Venal, meio da estrada, fruta envenenada, riacho doce, castanha de pequi. Rumos e caminhos sem caminho. Ida. Fim do sem fim.

Nobody answers the phone. Nobody says yes. Nobody says hello.
Once I was waiting, I was waiting for you to come and change what I used to think about the mirror. Once I was here, I was inside (and outside of me).
Once I was no one.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Perfurou meu braço com a ponta de estilete contundente que sumia instantaneamente na flor de sangue que brotava e na mesma velocidade do que se esvaía, lambeu a ferida com a língua que, ao mesmo tempo em que aguçava mecanicamente a dor, lhe cicatrizava com o calor da saliva.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

De onde você começa? De onde você parte? No desenho, os olhos podem ser a primeira premissa, daí, o rosto, a cabeça, o corpo.
De onde você parte?
Mãos, extremidades. Coração, interior. Corpo, todo.
Um rumo nem sempre é o próprio caminho.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

De cabelos molhados numa manhã de quinta-feira. Só ele, na verdade. Ela, de longos secos. Teriam passado a noite juntos, agora se bebericavam, se apoiando um no outro no metrô. Mais de quarenta, os dois. Ela deixa escapar aos meus ouvidos um pouco distantes as entonações de um sotaque anasalado, atestando a procedência desses interiores, como se, antes, pelas vestes em laços, quase franjas, e unhas coloridas por escapar das sandálias, não fosse possível a mesma conclusão. Felizes, enamorados de pouco, com certeza. Suaves, quase sem chamar a atenção das sonolências em volta. Ele, querendo ser homem, se projetando no que fosse protegê-la das curvas do trem. Ela, quase uma menina-velha, de cotovelinhos se juntando em direção ao peito dele, não fosse pela discreta malícia de escorregar a língua pra dentro da intenção dele na parada da penúltima estação.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Bolsas plásticas vermelhas-cerâmica apertadas em fissuras e finos vincos indo explodir em serragem de almofadas de petecas baratas de infância ou vísceras de Adriana Varejão.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Ela estava num hotel em São Paulo. A névoa, como que rente à janela, era quase uma companhia numa noite para outras cobertas. A lua, encoberta; só imaginação. Os aviões cortavam o céu vermelho, lembrando, de tempos em tempos, o mundo lá fora.
Do outro lado, um traço se fazia, um novelo desapercebido, fio da costura na ignorância do notar-se uma pequena ponta. Do outro lado, companhia nem de aviões ou cobertas.
E no caminho, o encontro do que nem se sabe procurar-se, documento debaixo da cômoda, foto perdida no livro antigo, tesouro de infância, dinheiro na lavanderia. Depois do encontro, o precioso do desconhecido, nunca mais perder-se.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

jardim


Uma pluma. Folha seca que repousa sem barulho. Fuligem sem perigo. Dente de leão lentamente no ar. Um sopro. Entre o ar e a pequena partícula. Partitura de uma única música que toca repetidas vezes ao longe. Deita uma luz sobre as encostas de uma cidade por cima do morro, um lugar que só existe porque estamos lá pra ver. Nowhere.
Soft as a petal, she keeps asking: have you ever, haver you ever…? And I’m willing to answer, yes, yes...
De noite, o metálico dos cheiros preenche tudo de uma presença como se percebida adiante, uma lembrança que se faz antes de virar lembrança. E, por vezes, o que deita suave, menor do que areia e pólem, de rompante, se lança em redemoinhos, justamente por, de tão leve que é, não se segurar a qualquer repentina rajada de vento. E fica no meu olhar o pequeno animal se debatendo, inseto de barriga pra cima, a dor de quem se consterna com dor de criança, mesmo que aquela da injeção. Mas o vento que traz é o mesmo que leva e deixa em mim o que é bonito de doer. E a memória das minhas mãos sente que o pássaro que amedronta é o mesmo que se quer proteger.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

so she comes to me, she takes me (by the hand), it is dark, we're under a tree, she confesses me, she's so young, she's pure, I'm not, she takes care, she's the careful one, she shines, it was dark under that tree

Jeremy Irons is as old as he's ever been...
there's no getting over
to be buried on a mountain is like being floating
life's so rare

terça-feira, 4 de setembro de 2012

lights

O dia já tinha amanhecido quando se ouviu o quebrar de garrafas (verdes) lá em baixo. Não sei mesmo se acordara com o som da arruaça ou, me antevendo, fui despertando pra ser testemunha daquele alvoroço.
Era comum se acordar cedo, mas, naquele dia, a tenra madrugada de outrora se tornara peso morto sobre os ombros. Febril pareci durante a noite entre os pensamentos de pensamentos. Meio do caminho de não-sensações.
Tantas arquitetações para coisas de sem-fim. Haveria de ter um vestíbulo para certas situações na vida, um momento de prefácio, uma pré-estreia pra se decidir querer ou não entrar. (Decisão...). Mas, de atropelo e ladeira, desconsiderou-se que pudesse haver um pouco de prudência no viver. (Prudência...).
E o romper de estilhaços e vozes mudas antes poderia trazer susto, medo, palpitação, agora, me fazia era um quereloso de não poder estar entre os mesmos fanfarrões.

pensosintopenso

terça-feira, 21 de agosto de 2012

De noite, era novidade estar assim. Compor um momento. Agora, poderia. Coisa pouca, pensavam. Mas, pra ela, não. A casa – tábuas roucas – era agora e tanto quanto o quisesse só dela. Seu vestido branco era praticamente escolhido para povoar a sala, confuso em cortinas esvoaçantes quase trazendo frio. E ela fazia questão de preencher todo o espaço com pés descalços que varriam o chão, tão rodopiante era ela. Mais cedo, um pouco só, incensos de todo tipo, velas também de cheiros, um vinho na única taça que havia dentro da casa. Há alguns dias, gostava de ser assim. Era uma hora de quase ritual – flores. E os discos, aqueles há pouco tão guardados, agora lhe eram companhia de si para si mesma.

domingo, 19 de agosto de 2012

an angel hits the ground

você pode olhar por uma janela em berlin, em munique, no saraiva, em brasília, na rua da praia. o olhar pode ser diferente. mas pode-se pensar a mesma coisa, os mesmos pensamentos lançados pelo rio, por cima da colina. tudo é longe. tudo e você sempre são distantes. coisas inatingíveis como as pessoas lá embaixo comemorando algo do qual você não faz parte. canções que se dedicam. pessoas de antes, pessoas de uma vida compartilhada baixinho. cochichos debaixo da coberta. mãos. frio que não se passa só. o porto em rostock. o córrego dos marimbondos. risos que se abafavam com as mãos no escuro. e a música no rádio sempre parece um presságio, um sinal de que talvez os fios de mensagens estejam operando de alguma forma, que talvez haja correspondência e que tudo pode viajar nessas velocidades. e a solidão parece só (?) um filme, um clipe em preto e branco, uma cena que você pode assistir como um espectador de si mesmo.

coisas, pessoas nunca deviam magoar. tudo que passa fica um pouco. fica o conceito do que ficou pra trás, uma ideia gasta ainda é um mundo, talvez, não de sensações, mas uma ideia no mundo das ideias... hoje deu até vontade de chorar, pelas coisas mesmas que passaram. como pode? como pode alguém ser destinatário de tanto? mas aí, que bom que ainda sobra um sujeito e, não só, o objeto...

anteontem

Me chama a atenção a moça ali - botas pretas baixas de bico fino. De costas, são ainda o único objeto de observação. É bonita, ao virar-se. Bonita, bem bonita. Mas, noto, tem pernas um pouco - limite - arqueadas. E, novamente de costas, mostra que sua loirice remonta a uns alaranjados que me geram sutil desconforto. Nas comparações inevitáveis que se me tem colocado, penso como gostaria que o outro ser-objeto se permitisse uns defeitos verificáveis. Uma orelha fora de lugar ou que pelo menos destoasse da outra. Perna torta com joelhos tendendo ao avesso. Unhas roídas e beiradas de cutículas para a vergonha das reuniões de trabalho. Mancha insistente no dente, queixo proeminente, pelos fora de lugar, ulcerações, curvas de mais ou de menos e tantos outros petrechos que se colocam nos olhares cotidianos sobre transeuntes, pessoas da vida normal. Mas, não, não. Se avilta essa figura pintada de elfo, herói esvoaçante de estória em quadrinho, pilchada de aparição, sorrisinho traquina de anjinho gordinho apertando mamilo alheio em pintura renascentista, mãos de Pietá, pedra ametista em jazida própria sob as forças da natureza, cores e luzes de Vermeer, olhar de São João Batista, arco-íris em Itacaré, nuvem em Salvador. Talvez as cicatrizes lhe sejam internas, mas enquanto houver figura, enquanto houver luz e sombra, e adornos, enquanto tudo que se congela tomar vida em mim, o ponto mais alto do limite que ultrapassa o limite continuará a me acompanhar noite adentro, continuará sendo a ponta de mel no fundo dos gostos da vida, imagem de santinho guardada na carteira que se pode beijar na hora do aperto e esse adorar, esse espírito que carrego vai se tornando um ritual, vai se colocando como uma quase religião em mim.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Senti um toque suave descer meu peito. Depois da boa sensação, percebi que era meu próprio suor - meu próprio suor. E nessa divagação, sei que o meu carinho (o cuidado) vem sempre de mim mesma, pois até meu suor parece uma mão leve a me acariciar...
Em intermitências de nublagens... tudo em mim (e a transformação do reflexo ali de fora) era devagar como o mar de Caymmi.
A vida parece tão simples, simples como essa janela. Mas há umas dobras de vida, umas vidas escondidas por detrás da curva da estrada. E tantos escapam-se - dádivas descartáveis.
Por ora, pouca coisa me ocorre (ou a preguiça de pensamentos incompletos), sei que é bom olhar pra tanta água como uma saída pro mundo e ter nos pés o conforto da areia.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Eu, por mim, te escovava os dentes.
Eu, por mim, te descalçava num dia como este ou como noutro qualquer.
Por mim, te despia, te lavava, te esfregava pra espantar a sujeira da cidade lá fora ou o tédio aqui dentro.
Por mim, te abraçava pelas costas pra esquentar, mas mais pra dizer que estou aqui, depois da sopa e do amor quentes.
Eu, por mim, te cuidava como o barbeiro meticuloso nas manhãs de sábado, como aquela vizinha com suas samambaias.
Por mim, tava aqui, no pé, ou na cabeça, te amparando de ombros. E nessa troca que espero, combina-se que eu me dou e você me recebe.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Hoje, fosse pela inquietação (limbo, limo), fosse pelo ímpeto, colocaria em palavras a noite inteira. A casa é silenciosa como quase nunca se vê - só a menina insone, aquela que vem vagar, impedindo que me entregue ao caminho esponjoso do perder-me. Mas a inquietação é tamanha, que penso ouvir os coaxares dos seres escorregadios de brejo. Canos? Vizinhos com pouca urbanidade? Ecos de Allan Poe? Ou minha intenção de tornar tudo mais sombrio, como a mão que sinto agora por detrás da orelha?
Eu me mostro, mas não apareço. Uns querem se mostrar demais, acham que com essas mesuras vão destoar do que imaginam de mim. Outros querem-me toda desnuda, de uma inteireza outra e nunca visitada, mas preparam espessos anteparos para o descortinar da minha alma. Insuportável. Tanto pertencimento arranjado e (de) onde quero repousar tiraram tudo, sobrou coisa nenhuma, nem pedra pra se fazer de travesseiro. Pareço o homem em chagas, o leproso mendigando por aí, um Jesus disfarçado, testando seus fiéis.
Se me dessem a mão, se percebessem que tenho pele (essa, sim), que minhas mãos só se gelam pra se aquecerem em outras e só se aquecem (como agora) porque sei que, apesar de sublimes, há outras por aí tão vazias quanto as minhas.

esgueio

0:00. 100%. Nada, a não ser as coincidências, é redondo. Tudo escorre ou lampeja. Janelas protegem coisa nenhuma, cortinas, talvez. E eu com a cara direta da lua de espreita. E não é qualquer lua, mas esta aqui (olha lá..), não é inteira, mas é tão nítida, que parece um espelho. Sei muito bem o que essas entrelinhas querem significar, não sou tão idiota de fingir que não sei o que sei. Pistas pra mim mesma..ah, que coisa mais antiga, pueril, já dizia aquela música dos anos 80...
Tá bom. Aí, injeto penumbras, coisas de esgueio, como se o holofote de dentro não estivesse gritando, como que escondendo a falta de pele, um avesso tão avesso que não há mais o dentro e tudo ficou oco porque foi trazido para o lado de fora - tudo o que eu, na cara dura, protejo debaixo apenas de um sorriso amarelo (e umas falas recorrentes, cheias de esquinas).
Penas, desconfortos, areia, pós, secura pela pele, pela pele do nariz (mucosa, em verdade), tanto incômodo que é melhor lhe dar esses nomes do que a própria coisa em si que, de tão sinuosa incomodação, nome nenhum tem, tem nome nenhum.

segunda-feira, 23 de julho de 2012


She comes inside her coat. It is dark. It has been raining. It’s ok now, but her legs are still wet and everything else, like his eyes through the window – hot breath playing.
She knows he’s been waiting – it has been this way the last few days. He knows she knows it. Rain.
Inside the train all the shaking made her think ‘bout the first time they got into each other – her legs and her strength. Hair. The way the lights went out and in created a movement that made her make dirty plans. The train.

De tudo, sei que o que vem matando é o desejo. Pílula evervecente que alguém engoliu sem água.
De noite, o gelo seco desses desesperos parados vem de manso por debaixo das portas, mesmo que eu insista em borrifar cheiros pelo ar.
Travesseiro parece pedra. Sabonete incomoda só de lembrar sua intenção. Pisos frios pra lembrar choques de realidades. É claro, é escuro, frio, quente. Não se quer saber de diferenças, tudo se ignora como se eu fosse assunto de criança conversando na altura da cintura dos outros. Tudo que falo se mistura. Não existe fala – sempre meu instrumento. Existe só meu corpo (corpo, corpo). Este aqui que sobrevive somehow, mas… até quando, até onde? Onde vai o limite desses lençóis leitosos de sensações?

I wish I was that gifted… I wish I had the guts to carry what I carry from inside out...
Talented. Not being afraid to be so talented and pay the price to be who you are.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

espera

Ele aguardava. Não se sabia, ao certo, antes. Na verdade, não parecia impaciente pela postura que exercia, mesmo em sua baixa estatura. Parado ali, não era só a idade que trazia um tipo de presença, mas uma dor que se mostra, pelo menos pra mim. Mãos nos bolsos de um blazer que, em seu tamanho, não parecia o descuido de proporções, mas mais uma inspiração de duas décadas atrás.
A um certo ponto, não era mais tão cedo, ela chegou. Não era bonita, por certo, alguns traços pouco femininos, quase causando dúvida, mas era jovem. E ele, antes em pé no mesmo lugar por tempos, agora escolhera uma mesa onde posicionava as cadeiras de modo a deixá-lo por trás dela e abraçado carinhosamente. A estatura, a leve magreza debaixo da pele já não tão firme que aparecia nos braços agora sem o blazer escuro, tudo parecia diminuído pelo modo com que ele a abraçava, masculino e tenro, sabedor de coisas e da vida.

away


destilando em líquido no canto da boca o cansaço genuíno das esperas dentro do avião

terça-feira, 3 de julho de 2012

Não fossem as suas bochechinhas, teria um ar mais austero, talvez até mais respeitoso – assim ele pensava. O contrário o fazia se compensar com um mau-humor terrível e a necessidade que imprimia nos circundantes de lhe cumprirem as preferências, engolindo seus rompantes de autoridade mal compreendida. E toda a casa vivia em torno dele e disso, um fenótipo banalizado pela sociedade.
Idos já eram os anos e a expressão não finalizava. Tentara o bigode, sem muito sucesso, e, mesmo que ainda o mantivesse, o fato de agora ser branco o fazia desaparecer ainda mais em sua intenção inicial.
Quando criança, as bochechas eram a naturalidade de se ser gordo, gordinho e por todo rosado. Não seria popular, por certo, mas havia um lugar pra esse tipo de gente, apelidos pré-estabelecidos, um papel esperado. E, assim, ele podia apenas ser. A mocidade é que lhe trouxe um deslocamento entre o que se sentia por dentro e o que se via por fora e tudo degringolou. Casou-se, é verdade, mas à custa de alguns arranjos. E sexo, por certo que também não faltou, pois onde o mundo é mundo e se tenha algum dinheiro, está tudo resolvido. Mas sempre algo se lhe furtara, não sei se amor, respeito – que achava ser essa a palavra para a falta que sentia –, era um não-ser, de toda maneira. E tentava se encontrar em posturas desmedidas e inconsistentes. E em toda essa busca de se tornar e parecer um senhor de verdade, com os petrechos do que achasse fosse necessário, agora e somente, lhe ocorreu que, ao invés do homem grave e velho, precisasse ir atrás de ser a criança, aquela criança que, ao menos, cabia em si.

terça-feira, 26 de junho de 2012

cat

Descalço, toca os pés acima do chão. De voz, Elis te alcança para além do Menino Deus. E nesse sexo de anjo, me faz querer ser uma nota, apenas verbo, qualquer coisa de sublime pra te encontrar. Mas, mesmo assim, me busca, como um carro atrás do outro no asfalto, negro de varredura, como a memória de teu gesto, tenro e genuíno a rodar a cabeça em eloqüência ou cantando baixinho como quem pede desculpas ao pé da cama.
Você, no propósito, é aquele que toca o coração da princesa presa na torre, mostra-se em espinho que perfura o dedo num broto de sangue, valsinha de casamento e velório, rosa murcha do que sobrou de uma despedida. Onde sua alma vai para além da idade do que se vive no mundo dos que somente são? O que de mulher em você consegue doer a mulher que há nos outros? Em mim, sobrou só o sentir pra pouca resposta. E aqui, no plano do plano, seus dedos de unha roída plantam alguma coisa além do chão. E no escuro inevitável do ruído surdo de sua lembrança, o bonito e doído da vida se me mostram, então e em diante, pelo seu gesto, pelo seu som.

(de e em direção a Filipe Catto)

terça-feira, 19 de junho de 2012

telhados de paris

Venta, ali se vê
Aonde o arvoredo inventa um balé
Enquanto invento aqui pra mim
Um silêncio sem fim
Deixando a rima assim
Sem mágoa, sem nada
Só uma janela em cruz
E uma paisagem tão comum
Telhados de Paris
Em casas velhas, mudas
Em blocos que o engano fez aqui
Mas tem no outono uma luz
Que acaricia essa dureza cor de giz
Que mora ao lado, mas parece outro país
Que me estranha, mas não sabe se é feliz
E não entende quando eu grito
Eu tenho os olhos doidos, já vi
Meus olhos doidos são doidos por ti
O tempo se foi
Há tempos que eu já desisti
Dos planos daquele assalto
De versos retos, corretos
E o resto de paixão, reguei
Vai servir pra nós
E o doce da loucura é seu, é meu
Pra usar a sós

Por acaso você sabe quanta falta você faz pra mamãe?

quarta-feira, 6 de junho de 2012

a tear drop

Start spreadin' the news,
  I'm leavin' today
  I want to be a part of it,
  New York, New York...
  These vagabond shoes
  Are longing to stray
  Right through the very heart of it,
  New York, New York...

  I wanna wake up in a city
  That doesn'tr sleep
  And find I'm king of the hill,
  Top of the heap...

  These little town blues
  Are melting away
  I'll make a brand new start of it,
  In old New York...
  If I can make it there,
  I'll make it anywhere
  It's up to you,
  New York, New York...

  New York, New York...

  I want to wake up in a city
  That never sleeps
  And find I'm A-number-one,
  Top of the heap,
  King of the hill,
  A-number-one...

  These little town blues 
  Oh they're melting away
  I'm gonna make
  A brand new start of it
  In old New York
  A-a-a-nd if I can make it there,
  I'm gonna make it anywhere
  It's up to you,
  New York, New York...
  New York...

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Me incomoda hoje, me dói o contraponto das coisas, o outro lado de um espelho assimétrico.
Ser dois e ser dez e ainda ser um, que proposta difícil.
E parece ser a minha proposta, a minha realização.
No caminho pra casa (casa?), o destoante já aparece nas esperas das filas de aeroporto. Uma que parece exagerar no blush, enquanto as paulistanas estão sempre e milagrosamente com as bochechas rosadas por alguma obra da natureza. E esse descompasso, esse açucarado que chega a doer no fundo da boca me traz o ridículo de coisas, de pessoas que me olham com juízos tortos, mal sabendo que as tenho como personagens com pouco viço nas estórias da vida, engrenagens faltando dentes. Esse asfalto que tomo – e que custo a tomar – se faz como um deserto e se a vista alcança longe é também porque não tem nada nem ninguém por perto, mesmo que o contrário sejam prédios de concreto e anônimos esbarrantes.
Lá, durmo quietinha, como quando sabia estarem os pais no quarto ao lado, mesmo quando uma motocicleta solitária te fazia perceber o vazio da noite. Durmo quentinha no quarto escuro e o sol de manhã vem filtrado em névoas avistadas de cima, convidando ao abrir das cortinas. Aqui, até a lua cheia me incomoda, talvez por me mostrar o mato de mim, o vazio que se despela como se estar em cima desta cama fosse o mesmo que estar por entre as árvores.
E nessas horas, nada se decide, tudo quer descolar, tudo em mim me coloca contra a parede e só o ipê, a paineira pra aliviar.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

quarta-feira, 23 de maio de 2012


“Eu não investigo como as pessoas se movem, mas o que as move”
Pina Bausch


Algumas questões que Pina propunha ao seus bailarinos:

“Fazer uma armadilha para alguém”; “Consolar”; “Qualquer coisa de
puro”; “O que receberam de seus pais?”; “Brincar para reprimir o
medo”; “O que se sente quando se crê que está amando?”; “O que é e o
que poderia ser?”; " O que vocês desejariam se pudessem começar outra
vez?”

É... passou da hora, passou do ponto. Mas as imagens e as sensações em mim não acabaram.
Há coisa já de dois meses, eu e meu irmão assistimos ao Pina, filme do Wim Wenders. Aliás, não sei em que categoria se encaixa, definitivamente não é um documentário. E, dado o tempo escorrido, não posso falar das passagens, de tanta coisa bonita que veio tocar meu rosto em 3D agora aqui, sem a pele ouriçada, sem o grau das cores e da dor - tudo o que senti quando saí do cinema. Mas fica a coisa incessante de recorrer às suas imagens, mensagens, coisas que ela enviava aos outros. Ela permanece, apareceu num sonho de uma bailarina. Também, no comentário de uma outra: as pessoas me perguntam como é ficar sem Pina, disso eu realmente não sei (das weiss ich gar nichts...). Pina é pra sempre, está esticando seu corpo esguio por entre as cadeiras, cambaleante pelo salão, fina, comprida, insistente.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Ai, como eu tenho vontade às vezes de sair metralhando marimbondos contra o céu... ser um pouco menos libriana, menos comedida e maldizer... uma vontade que pinica como pimenta malagueta desavisada... ai, o mel disso tudo... mas, também, também não... sabe, o desprezo é o melhor destempero do mundo... brindemos ao desprezo, ao nada, ao que virou poeira depois que o último carro passou...
mereça, mereça!! por que tô escrevendo esse texto mesmo??