quarta-feira, 30 de maio de 2012

quarta-feira, 23 de maio de 2012


“Eu não investigo como as pessoas se movem, mas o que as move”
Pina Bausch


Algumas questões que Pina propunha ao seus bailarinos:

“Fazer uma armadilha para alguém”; “Consolar”; “Qualquer coisa de
puro”; “O que receberam de seus pais?”; “Brincar para reprimir o
medo”; “O que se sente quando se crê que está amando?”; “O que é e o
que poderia ser?”; " O que vocês desejariam se pudessem começar outra
vez?”

É... passou da hora, passou do ponto. Mas as imagens e as sensações em mim não acabaram.
Há coisa já de dois meses, eu e meu irmão assistimos ao Pina, filme do Wim Wenders. Aliás, não sei em que categoria se encaixa, definitivamente não é um documentário. E, dado o tempo escorrido, não posso falar das passagens, de tanta coisa bonita que veio tocar meu rosto em 3D agora aqui, sem a pele ouriçada, sem o grau das cores e da dor - tudo o que senti quando saí do cinema. Mas fica a coisa incessante de recorrer às suas imagens, mensagens, coisas que ela enviava aos outros. Ela permanece, apareceu num sonho de uma bailarina. Também, no comentário de uma outra: as pessoas me perguntam como é ficar sem Pina, disso eu realmente não sei (das weiss ich gar nichts...). Pina é pra sempre, está esticando seu corpo esguio por entre as cadeiras, cambaleante pelo salão, fina, comprida, insistente.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Ai, como eu tenho vontade às vezes de sair metralhando marimbondos contra o céu... ser um pouco menos libriana, menos comedida e maldizer... uma vontade que pinica como pimenta malagueta desavisada... ai, o mel disso tudo... mas, também, também não... sabe, o desprezo é o melhor destempero do mundo... brindemos ao desprezo, ao nada, ao que virou poeira depois que o último carro passou...
mereça, mereça!! por que tô escrevendo esse texto mesmo??

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Gol GTS


Ele tinha um Gol GTS, que, antes estacionado na beira da calçada, agora, nos servia de abrigo do frio que começa nessas épocas do ano. Mas isso eu nunca saberia, pois não entendia nada de carros, apenas um registro possível da cor vinho. Dentro, o fato de ele ter ligado o som criou uma conseqüência de querer acariciar com o dedo médio meu joelho sob a meia calça. Hoje era domingo, tinha sido uma volta na praça e um sanduíche que ele, incessantemente, recheava com os conteúdos das bisnagas coloridas, causando uma leve e óbvia irritação. Tinha dito que voltava até o fim do Fantástico, mas aquela carícia que ora parecia inocente por quase não ser um toque, de tão leve, justamente, e, pelo mesmo fato, trazia um ar vulgar de fim de noite. Já eram onze horas e a intenção, pelo menos, a imediata, era a de se aproveitar do horário dos programas de músicas românticas – cheguei até a pensar que talvez houvesse, ali, pra mim, uma dedicatória. Cruzo as pernas para iterromper os segundos de pensamentos inconclusivos sobre o dedo insistente. De trégua, comento alguma coisa que agora me foge à memória, mas, no sinaleiro, ele entrelaça o braço direito da camisa estampada nos meus ombros e me beija molhado e em memórias de sanduíche – o hálito trazia a realidade e o incômodo da carne. De novo, pensamentos que não se dissolvem em escolha: entro dentro de casa, rodo a chave na fechadura, cumprimento os presentes encolhidos no sofá / me levo no caminho que a mão do dedo médio inventa de fazer pela coxa, subindo a saia de cotton / converso com os outros, comento o programa de televisão / a mão econtra em mim o quente das suas conseqüências / visto a camisola rosa de algodão no quarto para me envolver em babados / meus seios rijos em suas mãos frias……a luz alta atrás interrompe o beijo, há não sei quanto tempo, insistindo na faixa da esquerda. Hoje é domingo (entro na sala?), amanhã é segunda (converso com os presentes?), tem alguma coisa pra aula de física (a camisola rosa?), combinei que voltaria até o fim do Fantástico (rodo a chave?), era só pra ser uma volta na praça (comento o programa da televisão?)…. O carro acelera na velocidade do desencontro do meu pensamento, entre o óleo e a água, não sei pra onde ele me leva, qual escolha, talvez para uma delas, talvez só até o próximo sinaleiro.



Viver é complexo, difícil, nem sei dizer quando tudo isso começa a fazer parte do viver. Porque antes, quando crianças, apesar de toda ânsia de poder começar a fazer as coisas, dirigir carros, dirigir a própria vida, a vida era o substrato em si, era só a marcha, uma coisa em si sobre a qual não se refletia muito. E éramos mais felizes, parece. Problemas começam a acontecer, ou já aconteciam e a gente nao percebia, eu não sei, pode ser loucura, mas às vezes me dá a utópica e forte sensação que não, que parece que até menos gente morria antes, menos doença acometia, e se acometia, era com gente velha, pessoas em relação às quais se entendia cabível que certas coisas acontecessem.
Mas aí, vem aquele papo todo de mulher de meia idade, autoconhecimento, autocontrole, coisas sobre ter que tomar um rumo, caminhos de se fazer na terapia, no misticismo – acho que percorro os dois (rs). Nada é mais óbvio, e tem que se construir algo, os entendimentos, essas coisas. E aquelas frases de adultos passam a ser adotadas por você. Por quê? Porque você também virou adulta, já viveu, sofreu, andou pelas estradas, amou, chorou, achou que ia morrer, achou que ia deixar de existir, desejou, e também não tem um ombro ou cabide, uns se penduram por aí, sem encarar o que se mostra sem tempo, se mostra de frente, mas umas pessoas ignoram as evidências como uma verruga no rosto. E aí, nada é realmente decidido, nada existe por si só, ou em você mesmo, porque tem sempre uma pessoa, alguém, na verdade, estruturas que se pensa ter, e se você as seguir, vai existir conforto.
Anyway, nem é disso que queria falar. Mas das coisas outras, do que se pode viver e encontrar, das sensações e coisas e acontecimentos e gostos e gestos e cheiros de irmãos na cama e risadas e novos amigos e os velhos e mão da minha mãe e vó no telefone e fotos e lembranças e abraços e filmes e shows e carnavais e viagens e lugares e pessoas que se reencontram. Tudo que volta pra enxergar a vida pelo caminhar, olhar pra trás, ver o quanto andou e olhar pra frente, imaginando como é bom chegar até ali em frente, e quando se chega lá, ali mais à frente se torna ainda mais interessante de se descobrir. Pode ser piegas, mas parece que é isso, voltar a ser criança no olhar que se tem sobre a vida.

sexta-feira, 4 de maio de 2012


Quando se acendia o fogão, o cheiro de gás recente avisava que já eram seis e pouco da tarde. O fogo azul atraía um olhar na mesma altura e era hora de tomar banho. Fosse horário de verão – e parece que sempre era –, a luz tanta trazia um contrasenso em relação à necessidade de se fazer janta e avisava que o fim do dia começava a começar.
Logo, o cheiro passava a ser o de tempero de alho, pimenta que se fritava e que se antecipara em diferenças quando, minutos antes, se o amassava no pilãozinho.
E era bom ver o ritual da picação de mistura em frente à novela. Tanta habilidade para descascar a abóbora, o chuchu em suas nervuras…
Como quase uma retribuição, tomava-se banho, shampoo Colorama de mel no cabelinho, sabonete Palmolive, lavava-se a chinela, penteava-se o cabelinho diante da penteadeira.
E a casa rescendia ainda mais e em outros cheiros de comida, aguçando a curiosidade pelo que haveria. Carne de panela, cará com carne moída, macarrão (com feijão), abóbora cozida…
A casa ia se escurecendo – hora de ligar a luz da sala – e o dia ia se acabando, mas a casa, a casa se recheava de pessoas e cheiros e risadas e barulho de moto na garagem e depois tudo ia se assentando e a gente ficava quentinho envolto na roupa de cama. E outros poucos sons sobravam, sons longíquos, de gato, de bicho se acomodando, e a luz só se apagava depois dos desejos de boa noite de olhinhos bem apertados. E o dia tinha acabado e a gente pensava nisso como um suspirinho nos poucos minutos em que se viajava acordado pelo teto sem forro.