terça-feira, 21 de agosto de 2012

De noite, era novidade estar assim. Compor um momento. Agora, poderia. Coisa pouca, pensavam. Mas, pra ela, não. A casa – tábuas roucas – era agora e tanto quanto o quisesse só dela. Seu vestido branco era praticamente escolhido para povoar a sala, confuso em cortinas esvoaçantes quase trazendo frio. E ela fazia questão de preencher todo o espaço com pés descalços que varriam o chão, tão rodopiante era ela. Mais cedo, um pouco só, incensos de todo tipo, velas também de cheiros, um vinho na única taça que havia dentro da casa. Há alguns dias, gostava de ser assim. Era uma hora de quase ritual – flores. E os discos, aqueles há pouco tão guardados, agora lhe eram companhia de si para si mesma.

domingo, 19 de agosto de 2012

an angel hits the ground

você pode olhar por uma janela em berlin, em munique, no saraiva, em brasília, na rua da praia. o olhar pode ser diferente. mas pode-se pensar a mesma coisa, os mesmos pensamentos lançados pelo rio, por cima da colina. tudo é longe. tudo e você sempre são distantes. coisas inatingíveis como as pessoas lá embaixo comemorando algo do qual você não faz parte. canções que se dedicam. pessoas de antes, pessoas de uma vida compartilhada baixinho. cochichos debaixo da coberta. mãos. frio que não se passa só. o porto em rostock. o córrego dos marimbondos. risos que se abafavam com as mãos no escuro. e a música no rádio sempre parece um presságio, um sinal de que talvez os fios de mensagens estejam operando de alguma forma, que talvez haja correspondência e que tudo pode viajar nessas velocidades. e a solidão parece só (?) um filme, um clipe em preto e branco, uma cena que você pode assistir como um espectador de si mesmo.

coisas, pessoas nunca deviam magoar. tudo que passa fica um pouco. fica o conceito do que ficou pra trás, uma ideia gasta ainda é um mundo, talvez, não de sensações, mas uma ideia no mundo das ideias... hoje deu até vontade de chorar, pelas coisas mesmas que passaram. como pode? como pode alguém ser destinatário de tanto? mas aí, que bom que ainda sobra um sujeito e, não só, o objeto...

anteontem

Me chama a atenção a moça ali - botas pretas baixas de bico fino. De costas, são ainda o único objeto de observação. É bonita, ao virar-se. Bonita, bem bonita. Mas, noto, tem pernas um pouco - limite - arqueadas. E, novamente de costas, mostra que sua loirice remonta a uns alaranjados que me geram sutil desconforto. Nas comparações inevitáveis que se me tem colocado, penso como gostaria que o outro ser-objeto se permitisse uns defeitos verificáveis. Uma orelha fora de lugar ou que pelo menos destoasse da outra. Perna torta com joelhos tendendo ao avesso. Unhas roídas e beiradas de cutículas para a vergonha das reuniões de trabalho. Mancha insistente no dente, queixo proeminente, pelos fora de lugar, ulcerações, curvas de mais ou de menos e tantos outros petrechos que se colocam nos olhares cotidianos sobre transeuntes, pessoas da vida normal. Mas, não, não. Se avilta essa figura pintada de elfo, herói esvoaçante de estória em quadrinho, pilchada de aparição, sorrisinho traquina de anjinho gordinho apertando mamilo alheio em pintura renascentista, mãos de Pietá, pedra ametista em jazida própria sob as forças da natureza, cores e luzes de Vermeer, olhar de São João Batista, arco-íris em Itacaré, nuvem em Salvador. Talvez as cicatrizes lhe sejam internas, mas enquanto houver figura, enquanto houver luz e sombra, e adornos, enquanto tudo que se congela tomar vida em mim, o ponto mais alto do limite que ultrapassa o limite continuará a me acompanhar noite adentro, continuará sendo a ponta de mel no fundo dos gostos da vida, imagem de santinho guardada na carteira que se pode beijar na hora do aperto e esse adorar, esse espírito que carrego vai se tornando um ritual, vai se colocando como uma quase religião em mim.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Senti um toque suave descer meu peito. Depois da boa sensação, percebi que era meu próprio suor - meu próprio suor. E nessa divagação, sei que o meu carinho (o cuidado) vem sempre de mim mesma, pois até meu suor parece uma mão leve a me acariciar...
Em intermitências de nublagens... tudo em mim (e a transformação do reflexo ali de fora) era devagar como o mar de Caymmi.
A vida parece tão simples, simples como essa janela. Mas há umas dobras de vida, umas vidas escondidas por detrás da curva da estrada. E tantos escapam-se - dádivas descartáveis.
Por ora, pouca coisa me ocorre (ou a preguiça de pensamentos incompletos), sei que é bom olhar pra tanta água como uma saída pro mundo e ter nos pés o conforto da areia.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Eu, por mim, te escovava os dentes.
Eu, por mim, te descalçava num dia como este ou como noutro qualquer.
Por mim, te despia, te lavava, te esfregava pra espantar a sujeira da cidade lá fora ou o tédio aqui dentro.
Por mim, te abraçava pelas costas pra esquentar, mas mais pra dizer que estou aqui, depois da sopa e do amor quentes.
Eu, por mim, te cuidava como o barbeiro meticuloso nas manhãs de sábado, como aquela vizinha com suas samambaias.
Por mim, tava aqui, no pé, ou na cabeça, te amparando de ombros. E nessa troca que espero, combina-se que eu me dou e você me recebe.