terça-feira, 3 de julho de 2012

Não fossem as suas bochechinhas, teria um ar mais austero, talvez até mais respeitoso – assim ele pensava. O contrário o fazia se compensar com um mau-humor terrível e a necessidade que imprimia nos circundantes de lhe cumprirem as preferências, engolindo seus rompantes de autoridade mal compreendida. E toda a casa vivia em torno dele e disso, um fenótipo banalizado pela sociedade.
Idos já eram os anos e a expressão não finalizava. Tentara o bigode, sem muito sucesso, e, mesmo que ainda o mantivesse, o fato de agora ser branco o fazia desaparecer ainda mais em sua intenção inicial.
Quando criança, as bochechas eram a naturalidade de se ser gordo, gordinho e por todo rosado. Não seria popular, por certo, mas havia um lugar pra esse tipo de gente, apelidos pré-estabelecidos, um papel esperado. E, assim, ele podia apenas ser. A mocidade é que lhe trouxe um deslocamento entre o que se sentia por dentro e o que se via por fora e tudo degringolou. Casou-se, é verdade, mas à custa de alguns arranjos. E sexo, por certo que também não faltou, pois onde o mundo é mundo e se tenha algum dinheiro, está tudo resolvido. Mas sempre algo se lhe furtara, não sei se amor, respeito – que achava ser essa a palavra para a falta que sentia –, era um não-ser, de toda maneira. E tentava se encontrar em posturas desmedidas e inconsistentes. E em toda essa busca de se tornar e parecer um senhor de verdade, com os petrechos do que achasse fosse necessário, agora e somente, lhe ocorreu que, ao invés do homem grave e velho, precisasse ir atrás de ser a criança, aquela criança que, ao menos, cabia em si.

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