sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Subia as ruas escuras madrugada adentro com medo. A cidade pacata, guardando o sono dos habitantes, refletia a luz da lua no calçamento de pedras pontiagudas. Tudo seria aconchegante se estivesse deitada, que fosse em um colchão de palha, a mirar o teto de telhas de barro. Mas, agora, depois de tudo, sentiria medo em qualquer rua, em qualquer lugar. Um velho bêbado apontou um pouco antes, “ali pra cima da rua dos prazeres”. Aquilo soou irônico. Ela era a própria ironia. De dia, seria percebida. Agora, só os gatos fazem alguma mesura.
O pé de mamão poderia ser um cipreste de cemitério, tão absorvido pela noite negra. Tudo trazia a nota de algo fúnebre. Ela, sua cabeça pesada. Relances, fatos, memórias, filme. Tudo tremia como um graveto. Tudo confundia como a água pisada. Medo. Medo e passos. Ali, era uma casa onde se forjava ouro. Os buracos na altura da rua davam para calabouços, porões onde se depositavam gente e excretas. De noite, como se fosse esta mesma noite, todos os cheiros traziam o ar para baixo.

O salto se intimidava pelas calçadas. Um para-peito fingia a presença de alguma pessoa. A sacada mesma parecia espiar. Noite do sem-fim, caminho nenhum. Sentou ali mesmo em uma sarjeta – meio-fio, como dizem por ali. Na testa, o cabelo de festa grudado. Na cabeça, memória de festa nenhuma. De repente, luz tímida; nascia o dia. Rosa, fúcsia, negro véu que agora se invertia em azulado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário